Por que somos tão resistentes às mudanças?

mudançasTodos nós vivemos um processo de evolução contínua, mesmo que inconscientemente. O dia a dia, o convívio com as pessoas e as situações que vivemos são campos experimentais onde devemos atuar e estar atentos para aprender os grandes ensinamentos neles contidos. Eis que, quando nos damos conta de determinados conceitos equivocados que possuíamos, deparamo-nos diante da escolha entre o novo e o velho ser. E, muitas vezes, apesar de vislumbrarmos e querermos o novo, resistimos em abandonar o velho. Por que isso acontece?

Vamos imaginar que vivemos há algum tempo em uma determinada casa e, gradualmente, ajeitamos esta casa da maneira que nos é mais prático, aconchegante e acolhedor. E, se olharmos com a devida atenção, o espaço físico de nossa casa reflete o nosso interno, o nosso mental, nossos pensamentos e convicções. Em determinado momento, tomamos a decisão de mudar de casa, seja por qual motivo for. A decisão de mudar é algo que pesamos muito, não é mesmo? Afinal, esse é um processo que requer muito esforço, tirar tudo do lugar, para colocar tudo no lugar novamente! É um processo que requer desapegar-se, pois vislumbramos nosso cantinho seguro. Assim como o ego nos prende a ideias fixas, ele também nos amarra ao apego do que acreditamos que seja nosso.  Olhamos para a mudança como algo doloroso. E, com isso, passamos a nos distanciar dos nossos desejos mais profundos, mais internos.

Mas então como nos preparamos para essa mudança?
Do começo!

Olhamos para a casa inteira e sabemos que temos que começar por algum cômodo. Aí pegamos a primeira caixa e começamos a encaixotar tudo o que possuímos. Nesse exercício, temos a oportunidade de olhar para cada objeto, fazer um exame para ver se realmente precisamos dele e tomar a decisão de descartá-lo ou levá-lo conosco para a casa nova. Começamos, assim, a exercitar o desapego. Coisas que não servem mais devem dar lugar às oportunidades novas, com as quais possuímos mais afinidade e que vão de encontro com o nosso processo atual de evolução. Pois bem, quando começamos o processo de embalar nossos pertences, temos a falsa impressão de que nunca terminaremos. No começo, somos mais diligentes, mas, conforme o tempo urge, começamos a negligenciar alguns processos e acabamos por levar para a casa nova muita coisa que nem precisávamos. Não seria assim em nossas vidas também? Todo começo de ano, colocamo-nos o propósito de fazer várias mudanças em nossos hábitos e começamos com muito ânimo e entusiasmo. Mas, conforme o ano passa, esquecemos nossas promessas e voltamos à nossa velha rotina. Por que não executamos as mudanças às quais nos propusemos? Ainda, por quê colocamos uma delimitação de tempo para começarmos nossa mudança? Porque é mais cômodo deixar para depois. Talvez porque saibamos que, a partir do momento quepassamos a ter mais consciência e autoconhecimento, passamos também a ter maior responsabilidade pelas nossas vidas.

Pois então, voltando à mudança de casa, depois de todo o exercício de seleção e embalagem, chega a hora da mudança em si, onde todos os nossos objetos encontram-se em caixas e devemos começar a organizar, um a um, e achar um novo lugar para cada um deles. Colocamo-nos o propósito de sermos mais organizados e tentamos fazer com que o novo lar seja mais aconchegante e organizado do que o anterior. Mas, mesmo com todo o processo de mudança, conseguimos mudar os nossos hábitos?

Se pensarmos que o nosso corpo material, juntamente com a nossa mente, é o lar do nosso espírito, será que, ao menos, tentamos fazer com que esse lar seja o mais aconchegante e agradável para o ser mais ilustre de nossa existência? Não deveríamos fazer o mesmo exercício de olhar para cada pensamento, sentimento, lembrança, convicção, preconceito, conceito dentro de nós mesmos, a fim de flagrá-los em atuação e selecionarmos os que nos servem e os que deveriam ser descartados? É simples: se esse pensamento não te faz sentir bem, mude o pensamento. Se esse sentimento lhe causa dor, mude o sentimento. Se o que você está fazendo o coloca em conflito consigo mesmo, mude de atitude! As pessoas tendem a achar que “é assim que tem que ser”. Entretanto, sempre há algo que podemos fazer quando realmente decidimos mudar.

Vamos partir do pressuposto que tenhamos feito esse autoexame e tenhamos identificado algo que devemos mudar, abandonar, porque compreendemos que será importante para o nosso processo, para que sejamos mais livres, para que sejamos mais felizes. Quão dispostos estamos a deixar a complacência de lado e a efetuar, de fato, essas mudanças?

Vejam como a natureza é sábia e nos ensina através de suas transformações contínuas. A lagarta nasce do ovo da borboleta. Come e cresce rapidamente, antes de passar pelo estágio que se chama crisálida ou pupa. Nesse momento, a lagarta sabe que deve passar por um grande processo de transformação, de mudança. Ela para de se alimentar e pacientemente constrói seu casulo, onde passará um tempo se preparando para se tornar uma borboleta. Quando o momento chega, ela abandona seu casulo e abre suas maravilhosas asas e vive o que ela veio para viver desde que nasceu: a liberdade. A borboleta alça voo.

Através da natureza aprendemos tudo o que precisamos para nos tornarmos seres mais livres e felizes. Ao iniciar seu processo, a lagarta nos ensina, em primeiro lugar, a confiança e a entrega. Ela sabe que algo muito maior a espera e, para que isso seja realidade, ela inicia um processo de trabalho árduo e direcionado ao bem maior. Ela já determinou dentro dela o que vai acontecer. Ela começa uma construção complexa, que exige muito esforço, que servirá de abrigo durante o tempo necessário para que suas asas se desenvolvam.

Porém, ao final desse processo, a borboleta olha para o casulo, com gratidão e reverência à proteção que este lhe deu durante essa fase, e compreende que está na hora de abandoná-lo, que isso é fundamental para que a linda e colorida borboleta possa desabrochar. Claro que neste momento a borboleta não tem controle do que acontecerá do lado de fora do casulo, mas ela trabalhou dentro de si as condições necessárias para determinar o controle em seu interior, e determinar como irá se comportar em relação a esse estímulo exterior. Ela confia, acredita. E isso é fundamental.  Primeiramente, devemos fazer existir dentro de nós aquilo que queremos, o máximo possível fora das artimanhas do ego. Durante o nosso processo, quantas vezes flagramos nosso ego construindo um grande muro ao nosso redor, que nos dará a falsa impressão de segurança e nos serve de esconderijo? Mas, será que, ao percebermos que vivíamos em um castelo feito de cartas de baralho e que podemos morar em um lindo castelo sólido de pedra, conseguimos abandonar e derrubar as cartas e nos aventurar a trilhar o caminho que nos levará até o castelo que representa nossa verdadeira morada?

É muito difícil abandonar a construção anterior, afinal de contas construímos com tanto afinco! Quando nosso ego se enreda na construção de uma grande ilusão, ao percebermos, é como se o chão começasse a ruir. Mas, somente derrubando as falsas bases da ilusão, é que conseguiremos ser realmente livres para construir as bases sólidas e firmes da verdade e do amor. Interessante ver como nos apegamos até mesmo às coisas ruins, que não queremos abandoná-las, mesmo sabendo que isso é fundamental. E, se observarmos, veremos que as situações que nos deixam em conflito interno tendem a se repetir ao longo dos dias. E o que acontece quando estas situações se repetem? Repetimos os mesmos padrões. Por que será que estas situações sempre se repetem? Será que não é para nos alertar e nos ensinar que precisamos mudar de atitude em relação a elas?

Imagine que queiramos chegar ao outro lado de um rio e o único caminho são as pedras na água. Olhamos desconfiados para a primeira pedra e arriscamos apoiar o primeiro pé, testando sua segurança. Quando confiamos que essa pedra nos servirá de base firme, firmamos os dois pés nela, mas já temos que olhar para a próxima pedra e repetir o mesmo procedimento, sempre deixando a pedra anterior para trás e entendendo que, sem ela, não teria sido possível chegar onde estamos. Mas o objetivo é atravessar o rio, não é mesmo? Então, ao mesmo tempo que cada pedra cumpriu sua função e foi importante nesse processo, devemos tentar alcançar a próxima e a próxima, até que consigamos chegar onde queríamos chegar.

Se observarmos, existem muitos exemplos na natureza que nos mostram que é preciso mudar. Além do exemplo da borboleta, temos o caso da lagosta, que vive tranquilamente no fundo do mar, protegida pela sua couraça dura e resistente. Mas, dentro da couraça, a lagosta continua a crescer. Ao final de um ano, a sua casa fica pequena e ela tem de enfrentar um grande dilema: permanecer dentro da couraça e morrer sufocada ou arriscar-se a sair de lá, abandonando-a, até que seu organismo crie uma nova couraça de proteção, de tamanho maior, que lhe servirá de proteção por mais um ano.

Vagando no mar sem a carapaça, a lagosta fica vulnerável aos muitos predadores que se alimentam dela. Mesmo assim, ela sempre prefere sair. Dentro da couraça, que se transformou em prisão, ela não tem nenhuma chance. Fora, sim.

Muitas vezes, ao longo da vida, nós nos fazemos prisioneiros das couraças que são os nossos hábitos repetitivos, os condicionamentos alienantes, as situações nas quais nos acomodamos, mas, que exauridas e desgastadas, nada mais têm para nos oferecer.

E acabamos, por falta de coragem de mudar, nos acostumando ao tédio de uma vida monótona que, fatalmente, como a velha couraça da lagosta, acabará por nos sufocar. Façamos como a lagosta: abandonemos a velha e apertada couraça e saiamos em busca de uma nova. Mesmo sabendo que, por algum tempo, estaremos desprotegidos ao enfrentarmos uma nova situação.

Abraçar o novo implica em abandonar o familiar, a rotina confortável e as expectativas usuais e lançar-se ao desconhecido. Implica em conhecermos nossos desejos mais profundos, nossa verdadeira identidade. Só assim seremos livres. Só assim conheceremos a verdade.

Toda mudança, contudo, nos traz um estresse, ou seja, criamos um problema ilusório que a mente acha que precisa resolver. Sim, os nossos pensamentos e convicções criam nossa realidade. Os problemas só existem dentro da mente, a verdadeira natureza dos nossos problemas são as sensações desagradáveis que sentimos e estas fazem parte somente da nossa mente. E, na verdade, o problema não existe. O que existe são as sensações que passamos a alimentar diante de um acontecimento e isso tudo faz parte de nossos apegos.

A vida é movimento onde tudo se transforma, tudo passa, tudo muda o tempo todo e cabe a nós aceitarmos e incorporarmos essas mudanças. Claro que isso não precisa ser radical, pois é necessário que respeitemos nossos limites. Antes mesmo, precisamos ampliar nossa consciência, e conhecer quais são os pensamentos, as atitudes, os hábitos que desejamos mudar. Crescer é um processo natural e conhecimento profundo não cabe em mentes rasas, portanto, se nosso conhecimento evolui a cada dia, porque não queremos largar nossas couraças?

A proposta aqui é que consigamos vislumbrar que a liberdade implica em abandonar velhos conceitos, as velhas muralhas que nos dão a falsa impressão de segurança. Que consigamos compreender e aceitar que, para que consigamos viver o novo de fato, é necessário abandonar o velho.

Voltando ao caso da lagarta, devemos seguir seu exemplo. Ao vislumbrar a borboleta que podemos nos tornar, o primeiro passo é aceitar e confiar. A partir daí, começamos a trabalhar para que a borboleta seja uma realidade; ou seja, precisamos nos entregar. E, nesse processo de entrega, devemos compreender que há um período de espera, de paciência, de vigília, onde nem sempre devemos sair por aí derrubando tudo de velho que havia dentro de nós, pois o processo é gradual. Ao observarmos o processo da lagarta e da borboleta, temos a impressão equivocada de que a transformação se deu de uma hora para a outra, mas a verdade é que houve toda uma preparação da lagarta, desde o momento em que ela nasceu, quando ela começou a comer muito para se preparar para a construção do casulo. O casulo foi construído e ela passa pela fase de espera, de paciência, de entrega. Só então, ela se alimenta e descarta o seu próprio casulo e arrisca abrir as suas assas pela primeira vez. Ele merece voar, porque soube a hora de atuar e soube também a hora de esperar.

Imagine que estejamos em um grande elevador panorâmico no centro de uma cidade. No primeiro andar, temos uma visão limitada, vemos algumas casas, lojas. Mas é seguro, afinal, estamos próximo ao chão. Conforme vamos atingindo andares superiores, vislumbramos o quanto a cidade é grande, quantas coisas diferentes há, e como tudo faz parte de um todo. Agora, podemos estabelecer que esse elevador panorâmico esteja inserido no contexto da nossa vida. Conforme ampliamos nossa consciência, ampliamos nosso conhecimento. Quantas coisas lindas passam a estar ao alcance dos nossos olhos? Quanta coisa aprendemos? A visão que tínhamos nos primeiros andares não importa mais, é passado. Agora que conhecemos muito mais, temos a oportunidade de fazer melhor a cada dia. Temos a oportunidade de sermos cada vez mais felizes, e nos libertarmos daquela visão limitada. Percebemos que há muito mais nos esperando se decidirmos subir através dos andares. Sempre lembrando que a subida acontece de andar em andar. É gradual e contínua, e exige coragem. Conhecer o que existe nos andares superiores só depende de nós mesmos.

O ser humano sofre constantemente porque criou uma imagem ilusória de como as pessoas precisam ser. Ele tem uma imagem do que é apropriado e do que não é. Ele tem uma imagem preconcebida de como o seu parceiro, os membros da sua família, seus amigos, o seu chefe e todos os outros devem se comportar para que sejam felizes.

Sente-se incapaz de se adaptar às mudanças constantes no seu universo, ao invés de se render a cada momento, e aceitar o fato de que o que está ao seu redor sempre mudará. Ele tende a encarar tudo pelo lado pessoal e perceber as coisas como inadequadas, como falta de cuidado ou falta de respeito.

Nós estamos tão apegados em receber a aprovação e o apoio de todos ao nosso redor, tão dependentes do modo como se comportam, que quando eles mudam, sofremos. Mas, voltando ao exemplo do elevador, eles escolhem ficar, permanecer nos primeiros andares da vida. Talvez tenham medo da altura! Mas você sabe que pode confiar. Cabe a você decidir se quer acompanhá-los ou conhecer os andares superiores.

O ser humano é tão apegado ao que possui, mas quando este se ilumina, ele percebe que a única liberdade está em se entregar a cada momento. Através da expansão da consciência, recebemos mais dádivas e ensinamentos do universo. Não existe certo ou errado. Existe aquilo que cumpre o propósito de onde se quer chegar. Tudo simplesmente é, e nós todos estamos criando com perfeição, para experimentar a vida com toda sua controvérsia e magia.

As mudanças incomodam porque nos tiram da zona de conforto. Porque nos vemos obrigados a abandonar velhos conceitos, mas elas são necessárias! E elas acontecem de dentro para fora. Já que nós criamos nosso próprio universo, então façamos as nossas escolhas de maneira que caminhemos rumo ao que queremos ser. E, através da verdadeira mutação interna, transformaremos o nosso universo em um universo perfeito, porque, assim como a lagarta nasceu para voar, nascemos para ser livres e felizes.

Juliana Kurokawa

Publicado em 8 de agosto de 2014, em Artigos e marcado como , , , . Adicione o link aos favoritos. Deixe um comentário.

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