Crônica da Menina Pupa

     Não gosto de histórias tristes…
     Choro muito fácil, e por isso, evito até mesmo de assistir a alguns episódios do Chaves.

     Mas hoje, caminhando próximo ao orfanato Folha Verde, vi aquelas crianças a merendar e me lembrei da Pupa. Assim eu chamava aquele pequeno anjo.
     Era uma menina muito fofa. Jamais viu seu pai ou sua mãe. Pesquisei sobre eles, e, ao que tudo indica, eles morreram cerca de um mês depois de concebê-la.
     Eu a conheci logo em seus primeiros dias de vida. Cabia na palma da mão. Era tão linda que me inspirava a cuidar dela. Seus cabelinhos espetados me convidavam a acariciá-la, mas ela parecia tão frágil, que nunca a toquei, pois tinha receio de não fazê-lo com a devida delicadeza e cuidado.
     Era muito calma, e, ao contrário dos outros bebês dessa Terra, não chorava e jamais dava trabalho a ninguém.
     Eu a vi crescer.
     Sempre muito introspectiva e silenciosa, passava seus dias longe dos outros órfãos. Isolada e sem brincar. Fato esse, que a fazia passar despercebida pelos olhares de todos, até mesmo daqueles que deveriam cuidar dela, mas que sequer lhe davam atenção. Mas eu a observava atentamente um pouquinho todos os dias.
     Com o passar do tempo, passou a demonstrar uma certa melancolia. Talvez coisa de adolescente. Ela devia estar sentindo um grande vazio dentro de si, pois começou a comer compulsivamente. Passava o dia e a noite comendo.
     Dentro de pouco tempo ficou rechonchuda, e mais do que triplicou o seu peso, o que lhe fazia andar com dificuldade.
     O tempo continuou a passar, e ela parecia já ter se entregado. Mal andava. Só comia. E não tinha mais contato com ninguém. Passava o dia a se esconder.
     Quando um dia, no auge de seu tormento, ela pensou: “é o fim!”.
     Tratou de fazer para si mesma um caixão. Não queria incomodar a ninguém.
     Sob a sombra do Jequitibá, arrumou sua mortalha, e como que agonizando, se deitou, esperando não mais acordar.

     Ninguém sequer notou.
     Ninguém procurou por ela.

     No segundo dia, parecia ainda estar dormindo. Já no terceiro, comecei a me preocupar. Será que ela estava deitada ali todo aquele tempo? Ou será que quando eu não estava por ali ela dava um jeito de sair um pouquinho?
     
     Oito dias se passaram.
     Eu estava a velar seu corpo.
     
     Eu enxugava minhas lágrimas ressentido pela morte daquela jovem, com quem tão pouco contato tive, mas por quem me apeguei ao longo do tempo em que a observei com tanto carinho.
     De repente, vi sua manta se mexer. A poeira caiu e pela ponta da mortalha vi um par de antenas sair. 
     Era a minha querida Pupa.
     Ela estava muito diferente. Sinceramente: um espetáculo para meus olhos. Agora tinha asas cor de fogo, com detalhes negros e laranjados, patas negras finas, pequenos cabelos escuros, e olhos que mudavam de cor conforme o ângulo da luz.
     Abriu suas asas, sacudiu-as para que secassem, olhou-me por um segundo e voou.

     Quem diria: quando a lagarta pensou que era o fim, ela se tornou uma borboleta.

 

Crônica da Menina PupaEssa foi a história da menina pupa, que, quando pensou que tudo estava perdido, renasceu.
Conheci também o homem minhoca, que passou a vida se escondendo e sendo pisado por todos.
A mulher gralha, que falava o dia inteiro.
Vi pessoas cobras, que carregavam veneno em suas bocas…

Será que descrevi uma pupa como se fosse uma menina, ou descrevi uma menina como se fosse uma pupa?
Não importa a forma ou a semelhança de um ser. Apenas importa a sua consciência.
A fábula, ou a metáfora, está mais próxima da realidade, do que podemos imaginar.

Acácio

 

 

Publicado em 9 de agosto de 2014, em Crônicas e marcado como , , , , , . Adicione o link aos favoritos. Deixe um comentário.

Deixe um comentário